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Um Amarone de bombachas

Parceira entre a gaúcha Vallontano e a italiana Masi vai lançar vinho feito com uvas passificadas

Marcos Pivetta/www.jornaldovinho.com.br*

21/10/2011
© Divulgação Masi
Processo de passificação de uvas na região de Valpollicela: técnicas italianas serão usada para produzir vinho na Serra Gaúcha

Processo de passificação de uvas na nas instalações da Masi, em Mazzano, Itália: técnicas vênetas serão usadas para produzir vinho num estilo semelhante ao do Amarone na Serra Gaúcha

A boa safra de 2011 na Serra Gaúcha rendeu 7500 litros de vinho elaborado com uvas passificadas das variedades Teroldego, Tannat, Ancellotta e Tempranillo que estão sendo usados para gerar o primeiro exemplar de um rótulo com tecnologia vêneta e alma brasileira. Uma espécie de Amarone de bombachas, embora os envolvidos na empreitada rejeitem, provavelmente com razão, esse tipo de definição simplista. De qualquer forma, o vinho agora em gestação é fruto de um projeto que junta uma grande vinícola italiana da região do Vêneto, a Masi, famosa por elaborar vinhos com uvas semi-secas, como o Amarone (e seu irmão doce, o Recioto), e um pequeno produtor de Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha, a Vallontano. É uma daquelas associações do tipo David e Golias. A Masi faz vinho há seis gerações. É dona ou administra quase mil hectares vinhedos na Itália, sobretudo no Vêneto, mas também na Toscana, no Trentino Alto Adige e no Friuli, além de produzir rótulos na Argentina desde o início da década passada. Empresa familiar fundada em 1999 no Vale dos Vinhedos, a Vallontano tem 9,5 hectares de vinhedos e comercializa cerca de 40 mil garrafas por ano.

Por ora, ainda há incertezas sobre a constituição final do vinho, que deverá ter teor alcoólico de 13,5 graus. Ainda não está certo se ele será um blend das quatro variedades selecionadas ou de apenas uma ou algumas delas. Cada uma das quatro uvas escolhidas — totalmente distintas das usadas no Amarone, que é elaborado com as castas Corvina, Rondinella e Molinara —  foi vinificada em separado depois de ter sido submetida por uns 25 dias ao processo de passificação, que concentra aromas e sabores. Durante o processo, as uvas foram mantidas em caixas de caixa de madeira  num ambiente fechado. “Dependendo da variedade, as uvas chegaram a perder até 40% de sua água”, diz Zanini.

O Tannat e o Ancellota do novo vinho vêm dos parreirais da Vallontano no Vale dos Vinhedos.  O Teroldego e o Tempranillo são oriundos de vinhedos da vinícola nos Caminhos de Pedras, um pedaço de Bento Gonçalves mais conhecido por seu belo casario de pedra e madeira, herança arquitetônica deixada pelos imigrantes italianos que chegaram à região no fim do século XIX, do que por seus parreirais. “A maturação nos Caminhos de Pedra, área um pouco mais alta, é mais lenta e colhemos ali as uvas em média uns 15 dias depois do que no Vale dos Vinhedos”, compara o enólogo da Vallontano. Em outubro deveriam chegar barris de carvalho francês, cada um deles com capacidade para 500 litros, onde o Amarone de bombachas deverá envelhecer. “Vamos começar o processo de amadurecimento do vinho e, se tudo se passar bem, poderemos colocar no mercado esse primeiro exemplar dentro de 18 meses’, afirma Sandro Boscaini, presidente da Masi.

Desde a safra de 2008, Zanini vem testando a produção de vinhos num estilo próximo do Amarone com apoio do pessoal técnico da Masi, que fez visitas periódicas à Serra Gaúcha assim como o brasileiro esteve na sede da empresa na Itália. Mas nem sempre o clima ajudou na empreitada.  Em 2010, ano de uma colheita muito complicada, não deu nem para produzir os vinhos experimentais. Por sorte, 2011 foi uma safra melhor e deverá ser o marco inicial da produção em escala comercial do novo rótulo. Em 2011, a Masi, aliás, comemora 30 anos da criação de sua fundação cultural que tem como missão reconhecer e divulgar os valores do povo do Vêneto, quer ele esteja na própria terra natal ou no exterior. “O caso da população vêneta no Rio Grande do Sul é emblemático”, comenta Boscaini. “Decidimos dar reconhecimento a eles e introduzi-los na cultura vêneta do vinho.”

Ou, em outras palavras, estimulá-los a plantar novas variedades além das de origem  francesa (Cabernet Sauvignon, Merlot e Chardonnay) e a produzir vinho com as técnicas de passificação que consagraram o Amarone. O objetivo da Masi é mostrar aos produtores brasileiros que pode ser mais vantajoso fazer isso e elaborar um vinho com personalidade do que seguir o padrão internacional do mercado e “lutar contra muitas diferentes áreas de produção, onde muitas vezes as condições de clima e solo para a viticultura e também os custos são muito melhores”.

O enólogo da Vallontano, cuja família é de origem vêneta, conta que a amizade do padre gaúcho Don Ivo Pasa, originário de Farroupilha e atualmente  vice-diretor do Ospedale Sacro Cuore Don Calabria em Negrar (Verona), com a família Boscaini também foi um estímulo para que a vinícola italiana cogitasse iniciar o projeto no sul do Brasil. “Depois de muitas visitas à área e conhecer grandes e pequenos  produtores, encontramos na Valllontano o parceiro com a sensibilidade certa, o alto profissionalismo e o foco na qualidade que procurávamos para colaborar com nosso projeto”, diz o presidente da Masi. Agora é esperar para ver como vai ser esse novo rótulo num estilo próximo ao do Amarone, que provavelmente será comercializado pela importadora Mistral, responsável no Brasil pelas vendas dos vinho da Masi e da Vallontano.

* Esta reportagem foi publicada na edição 143 da revista Bon Vivant.

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