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Sob o sol da Índia

A vinícola indiana Sula Vineyards cresceu 45% ao ano nos últimos três anos, atendendo a um dos mercados mais promissores do mundo

Sílvia Mascella Rosa, do blog  Vinho Verde Amarelo

17/06/2010
© Divulgação
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Rajeev Samant, dono da Sula Vineyards: engenheiro indiano deixou os EUA para produzir vinhos em sua terra natal

Tudo na Índia é sui generis, a culinária, a religião predominante, o clima de monções, a arquitetura, a gigante e diversificada população, os conflitos políticos. Para completar esse quadro que já parece tão distinto, está o fato de que esse é o país que mais exporta softwares do mundo e agora também produz vinhos.

Com uma população superior a um bilhão de indivíduos, que consomem o equivalente a duas colheres de sopa de vinho por pessoa ao ano, a indústria vitivinícola indiana tem um enorme potencial, que começa a ser explorado por empresários locais e estrangeiros. As três maiores empresas do ramo são a Indage (Chateau Indage), a Grover Vineyards e a Sula Vineyards. As duas primeiras nasceram na década de 1980 e a última na segunda metade da década de 1990.  A Indage faz parte de um conglomerado industrial poderoso na Índia e acabou de adquirir a vinícola Loxton, no sul da Austrália, por U$ 60 milhões pagos à vista. A Grover Vineyards é a única das três grandes que só produz vinhos de uvas viníferas e tem a consultoria de Michel Rolland, além do suporte técnico da Veuve Clicquot. A mais nova das três, Sula Vineyards, é a número dois em volume de produção mas a primeira em vendas de vinhos considerados premium (vinhos vendidos por mais de 11 dólares a garrafa).

O proprietário da Sula Vineyards, Rajeev Samant de 42 anos,  me falou sobre as conquistas e os desafios desse novo mercado. Nascido na Índia, Rajeev é engenheiro formado pela Universidade de Stanford e trabalhou até o meio da década de 1990 na Oracle em São Francisco. Foi durante o período de faculdade que começou a tomar contato com os vinhos feitos nos EUA e a prestar atenção na indústria. De volta à Índia, resolveu se tornar fazendeiro plantando de mangas a flores nos 30 hectares de sua família na região de Nashik, a 180 km de Mumbai (antiga Bombaim), um planalto fértil na latitude 19 Norte, onde já eram cultivadas uvas de mesa. Observando a qualidade dessas uvas, Rajeev teve a idéia de plantar uvas viníferas. Para isso fez um estudo de solo utilizando a metodologia de classificação da Universidade de Davis na Califórnia e conseguiu o auxílio de Kerry Damskey, enólogo da universidade que aceitou o desafio da nova região. Em 1997 foram plantadas as primeiras mudas, vindas da Europa e dos EUA, e em 2000 a empresa lançou seu primeiro vinho, um Sauvignon Blanc.”Produzimos quatro mil caixas na primeira safra e hoje, oito anos depois, esperamos comercializar 250 mil caixas desse mesmo varietal” conta Rajeev. Além do Sauvignon Blanc, outras castas bem adaptadas na região são a Shiraz, a Cabernet Sauvignon, a Malbec e a Viognier.

O logotipo da empresa, um sol estilizado e sorridente, nada conta sobre os desafios enfrentados pela Sula nesses dez anos de existência. A Índia é um país extremamente burocrático e lento para as questões comerciais. Assim, abrir uma empresa é um périplo para o proprietário. No caso da vinícola, as licenças de funcionamento demoraram anos para serem concedidas pois o governo argumentava que uma indústria de vinhos não era necessária em uma área produtora de uvas de mesa. Outro desafio digno de Shiva (o deus criador e destruidor) é o mercado. As grandes redes de supermercados não podem vender vinhos em suas gôndolas, somente as lojas especializadas em bebidas, em geral lugares antiquados e envelhecidos, que amedrontam as mulheres da classe média (potenciais compradoras). Assim, as vinícolas têm que investir também na abertura de lojas mais modernas e atraentes, além de lutar para que alguns poucos mercados possam exibir seus vinhos em suas prateleiras.

Tal qual outros países que somente nas últimas décadas têm desfrutado de um crescimento econômico mais significativo, na Índia também o consumo de vinhos é ligado às elites, classe ainda mais fechada por lá do que em outros países. Assim, fazer com que o vinho seja uma bebida popular é um desafio e tanto. Principalmente se a isso for agregado o fato da Índia ser uma ex-colônia britânica e o apreço ao scotch não ter deixado o país junto com os colonizadores. A Índia permanece imbatível como maior mercado para whisky do mundo.

O empresário indiano, no entanto, está muito otimista com o prognóstico do país. Sua empresa cresceu 45% ao ano nos últimos três anos e os planos de ampliação do plantio e das instalações  vem saindo do papel com a ajuda de investidores internos. “Para a Sula, o mercado interno é o mais importante e responde por quase 90% de nossas vendas. Os outros 10% vão principalmente para o Japão, que aprecia muito nossos vinhos. E já é possível perceber uma mudança de mentalidade entre a nossa população, que vem preferindo bebidas menos alcoólicas e mais sutis” explica Rajeev.

Um dos sinais de que o vinho vem sendo melhor conhecido no país está em dois pontos distintos: empresas poderosas no ramo, como a Diageo, já estudam parcerias com vinícolas indianas para produzir vinhos no país e atender ao crescente mercado. Outro sinal é a procura por cursos de formação, tanto no país como no exterior. Neste ano formou-se a primeira mulher indiana a participar do curso ‘Master of Wine Management’ em Bordeaux. Na turma que inicia agora em outubro já estão mais dois indianos.  Ashwini Patil, formada em Economia, começou a se interessar por vinhos quando morava na Europa há dez anos e descobriu ali uma possibilidade de profissão. “Fiquei encantada com o ritual do vinho, com a forma como ele agrega pessoas diferentes. Para mim era a desculpa que eu queria para conhecer melhor outras culturas e outros países” contou Ashwini. Ela saiu da universidade com diversas propostas de trabalho em seu país, mas tem um projeto pessoal mais ambicioso, o de colocar a Índia definitivamente no mapa do mundo do vinho, não só entre os consumidores internos (fazendo com que o país importe vinhos de melhor qualidade) e conheça melhor seus próprios produtos, como levando ao mundo os vinhos de seu país.

Para concretizar esse projeto Ashwani acredita que os produtores indianos deveriam dar uma boa pesquisada no que os australianos chamam de “Estratégias para o Vinho 2025”, onde foram descritos os objetivos da indústria, desde os agricultores até os que constroem a imagem das marcas, em um esforço conjunto para conquistar e liderar mercados. “Precisamos de uma estratégia muito clara para produzir vinhos que irão agradar ao mercado globalizado e aproveitar o desabrochar de nossa economia, que possibilita conquistar desde já uma classe de gente mais jovem e disposta a gastar com artigos mais luxuosos, como o vinho” conta a indiana.

Resta saber se o governo indiano vai ser capaz de dar a atenção que a indústria necessita, criando leis que regulem a produção, a qualidade e o comércio e se os vinhos produzidos no país vão passar em sua prova máxima: as taças e os paladares de seus conterrâneos e dos estrangeiros.

“Nós, dos países emergentes do mundo do vinho (Índia, China e Brasil), vamos estar muito ocupados nos próximos anos, pois a nossa indústria e nossos mercados vão crescer muito, muito rápido” afirma Rajeev. “E isso é muito excitante para todos nós”.

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