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Rebeldia nas margens do Tejo

As ideias modernas e pragmáticas do enólogo português Diogo Campilho, da Quinta da Lagoalva de Cima

Marcos Pivetta/www.jornaldovinho.com.br*

09/02/2010

Diogo Campilho
Diogo Campilho: “Quero fazer o que bem me apetecer. Ainda hoje não podemos juntar um vinho do Tejo e outro do Alentejo e fazer com os dois um Vinho Regional” (Foto: Tadeu Brunelli)

Boa pinta, entusiasta do surfe (ele mora na praia, há 50 minutos de carro da vinícola) e com ideias pra lá de contemporâneas sobre vinhos. Assim é o enólogo Diogo Campilho, de 30 anos, responsável pelos vinhos da Quinta da Lagoalva de Cima, uma propriedade agrícola de 6 mil hectares (50 deles com vinhas) situada em Alpiarça, na região do Ribatejo, distante cerca de 90 quilômetros ao norte de Lisboa. Desde 1888, sua família é dona da quinta, colada à margem sul do rio Tejo, onde, além de vinho, os Campilho produzem uma série de culturas agrícolas (azeite, ervilhas) e criam animais (cavalos, bovinos). Depois de ter se formado em 2002 e ter passado três temporadas de seis meses na Austrália, Diogo assumiu a chefia da produção dos tintos e brancos da propriedade há cerca de 5 anos. A experiência de trabalhar no exterior num país do Novo Mundo que faz vinhos, a mente aberta à experimentação, a falta de uma grande tradição vitivinícola do Ribatejo ― tudo isso faz com que Diogo seja um enólogo da nova geração bastante antenado com as tendências do mercado de vinhos do século XXI. “Não quero estar sujeito a regras”, diz. “Quero fazer o que bem me apetecer.” Nessa conversa franca, travada em agosto passado durante evento da importadora Mistral (que traz seus vinhos ao Brasil), esse lisboeta de nascimento mostra que o bom e velho Portugal vinícola pode, sim, ser moderno e pioneiro sem perder os seus antigos encantos.

Qual é a identidade vinícola da região do Ribatejo?

Era Ribatejo. Agora mudou a designação da região e é só Tejo. A região tem muitas cartas para dar. Tem adegas grandes e boas.  Nos últimos 5 anos, chegaram enólogos novos, com novas ideias.  Existe uma simbiose de enólogos novos e velhos que estão a criar coisas novas. No meu ponto de vista, o Tejo tem uma vantagem em relação a outras regiões.

Antes de prosseguir, explique por que o nome ficou apenas Tejo. Foi por uma questão de marketing?

Em termos internacionais, o rio Tejo é conhecido. Isso ajuda a criar uma ligação com a região. E a palavra Tejo é mais fácil do que Ribatejo e está associada a um elemento indicativo, que é o rio. Foi mais por essa razão. Como disse, o Tejo tem várias vantagens. Do ponto de vista geográfico, temos o rio Tejo, que de noite nos dá temperaturas bastante frias. Isso para a maturação das uvas é muito bom. Dá um equilíbrio entre ácidos e açúcares.  Estamos numa planície, onde é tudo facilmente mecanizável.  Nos próximos anos, com a competição internacional, não haverá dúvida de que o preço do vinho será um aspecto importante. Não se pode esquecer que a cidade de Santarém, no coração do Ribatejo, tem sido uma das mais quentes de Portugal. Com isso, quero dizer que temos na região 40°C, disponibilidade de água e colheita mecanizável. Temos outra vantagem: ainda há muito trabalho a ser feito.  Podemos ser pioneiros em fazer coisas novas na região.  Tudo que for descoberto pode ser feito na região. A Lagoalva está disposta a apostar nisso, com enólogos novos e ideias algo rebeldes, como é típico dos novos. Vamos seguir por um caminho novo. Nossa gente não tem historial (histórico). Nosso historial é de mudança permanente.

Mas essas mesmas características são vistas como negativas para a produção de vinhos mais sofisticados, normalmente associados a zonas com encostas, clima mais frio e colheita manual.  Como você trabalha essa questão ou o foco do Ribatejo é mesmo nos vinhos de preço mais competitivo?

Todos os negócios para existirem precisam sem rentáveis, sejam eles em planícies ou escarpas. Na Lagoalva, como em 90% dos outros sítios, parte da colheita é mecânica. Na Austrália, na Argentina, no Chile, no Alentejo, na Califórnia, também é assim. E em todos esses lugares também há uma parte da vindima que é manual.  Temos uma grande vantagem no Ribajeto devido à disponibilidade hídrica permanente. Temos água disponível e conseguimos combater facilmente as temperaturas de 40°C, 45°C. Isso já não é possível em outras regiões.

Quando está muito quente você irriga a vinha?

Irrigamos e temos um controle da quantidade de água no solo. Portanto, sabemos exatamente a quantidade de água que existe. Dessa forma, conseguimos auxiliar a planta a não quebrar a fotossíntesse. No Tejo, podemos irrigar as vinhas que não são para vinhos DOC (Denominação de Origem Controlada). Como na Lagoalva só temos Vinho Regional (uma categoria de vinhos com menos controles legais), posso irrigar praticamente tudo o que eu pretendo.

Por que você não faz vinho DOC?

Do meu ponto de vista, quero que o consumidor de um vinho da Lagoalva, seja do Brasil ou em outro país, saiba que o tem nas mãos é bom. É essa a marca que eu quero transmitir. Por outro lado, o DOC não é sinônimo de uma maior qualidade perante o Vinho Regional. O que tem no DOC são mais restrições, um maior controle na produtividade, na vinificação, e um controle rigoroso em termos da castas (plantadas). Se eu achar que no meu terroir, um Syrah, um Carbernet, um Merlot, um Tannat vão melhor do que um Touriga Nacional ou um Tinta Roriz, cabe a mim decidir, cabe a mim ver o que mercado acha dos vinhos. Não quero estar sujeito a regras. Quero fazer o que bem me apetecer. Para poder fazer isso, tenho de fazer Vinho Regional.

Você não acha que hoje em dia a distinção entre vinhos DOC e de outras categorias já não é tão levada em conta pelo consumidor?

Mas no Velho mundo estamos sujeitos a muitas regras da OIV (Organização Internacional da Vinha e do Vivho). Ainda hoje não podemos juntar um vinho do Tejo e outro do Alentejo e fazer com os dois um Vinho Regional. Não podemos juntar um vinho do Douro e um da Bairrada para fazer um vinho melhor. Você vê um vinho do Douro que tem uma cor fantástica, uma concentração fantástica, mas pode faltar alguma acidez. No Ribatejo, você vê um vinho com uma fruta fantástica e com acidez. Por que não juntar os dois? Se isso vai melhorar a qualidade do vinho, por que não fazê-lo? Mas ainda não podemos fazer isso. E temos de competir na Inglaterra, no Brasil com vinhos da Austrália, onde eles juntam vinho de todo canto e fazem um vinho com uma marca. Acho que também deveria se dada a possibilidade de juntar vinhos de várias regiões, com o nome, por exemplo, de Vinho de Portugal. Não estou falando isso da boca para fora. O consumidor poderia escolher se quer um DOC, um Regional ou um Vinho de Portugal. No fundo, quem dita as regras do sucesso ou do insucesso é o consumidor.

Por que você resolver fazer os seus vinhos top com Syrah e Alfrocheiro?

Tudo começou em 97 com o primeiro Syrah. Foi um sucesso, ganhamos prêmios. Chegamos com um produto novo, com carisma e qualidade, que ficou na memória dos consumidores em Portugal e no Brasil. Nos anos bons, fazemos o Syrah como varietal.  O Alfrocheiro surgiu exatamente da mesma maneira em 1999. É uma casta portuguesa que estava no terroir da Lagoalva desde 1975. Tinha qualidade. Não quer dizer que amanhã não saia da Lagoalva um Tourigal Nacional 100% varietal. Mas, por ora,  nos mantemos assim. Nossa linha tem dois tintos varietais premium (o Syrah e o Alfrocheiro), dois brancos (um Arinto/Chardonnay e o Talhão 1), um reserva, que é um Syrah/Cabernet/Alfrocheiro, e depois dois vinhos tintos de combate, da gama de entrada, e um rosado.

Imagino que esse seu espírito de experimentação tenha a ver com a sua idade e com vivência no exterior. Como é sua relação com os outros enólogos portugueses, novos ou antigos?

Hoje em dia quando tenho dúvidas, e as tenho todos os dias, falo com os mais velhos. Pergunto ao Luis Pato (famoso produtor da Bairrada) ou a outro enólogo se ele gosta de um lote. Aprendemos com os mais velhos e eles também aprendem conosco. É preciso ir para a “guerra” conhecendo um bucadinho o paladar da pessoas, vendo o que está na moda e ir se adaptando ao mundo de hoje. Fazer o trabalho de exportação da Lagoalva, também me dá a chance de estar num evento como esse da Mistral e provar vinhos da Argentina, do Chile, e conversar com os enólogos. Ver o que eles estão plantando, o que estão arrancando, ver as técnicas que estão usando nas adegas. Temos de abrir os horizontes e não ficar fechados em Portugal, no Tejo, e acharmos que estamos na melhor região do mundo. Certamente é uma boa região. Mas também tenho certeza de que há regiões bem melhores e bem piores. Hoje em dia é complicado para adegas algo grandes escoar toda a produção em Portugal. Elas tiveram que ir também para o mercado de exportação e depararam-se com realidades diferentes, com outras castas e rótulos modernos. De repente, perceberam que há coisas que nós próprios temos de modificar. Perceberam que não cabe fazer um vinho rústico, cheio de taninos, que só eu e meu pai podem beber. É preciso fazer um vinho que todos podem beber, a mulher, a namorada.

Você acha que o produtor português médio já se deu conta disso?

Há dez anos, fazer vinho era um romance. Fazia-se o vinho para beber ao pé da lareira, deitado no chão, num belo cálice. As pessoas plantavam uvas, construíam uma adega, faziam vinho, engarrafavam, botavam a rolha e só depois pensavam onde iriam vendê-lo. Tudo era feito ao contrário. Essa era a mentalidade não só em Portugal, mas também em outros países. Hoje não pode ser mais assim. É preciso pensar onde vamos vender o vinho, a que preço e para quem antes de plantar as uvas e construir uma adega. Essa era a mentalidade não só em Portugal, mas também em outros países. O Novo Mundo já é mais pragmático. Para eles, se fazer vinho dá dinheiro, tudo bem. Mas, se não dá, eles vão plantar maçãs ou peras. Eles pensam assim:”Gostaria de fazer vinho com a minha marca, mas, se não dá dinheiro, paciência”.
*Esta entrevista foi originalmente publicada na edição de fevereiro de 2010 do Bon Vivant.
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