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“Os Borgonhas genéricos podem ser o vinho para todos os dias e para todos – desde que tenham um bom preço”

Diz Dimitri Bazas enólogo há dez anos da maison Champy, o mais antigo négociant da Borgonha

Marcos Pivetta/www.jornaldovinho.com.br

04/09/2009
Dimitris
Dmitri Bazas: “Os Borgonhas genéricos podem ser o vinho para todos os dias e para todos – desde que tenham um bom preço” (Foto: Gladstone Campos/Realphotos)

O enólogo grego radicado na França, Dimitri Bazas elabora desde 1999 os vinhos da Maison Champy, o mais antigo négociant da Borgonha, fundada em 1720. Négociant é uma empresa que compra uvas, mosto e/ou vinhos de terceiros para misturá-los e chegar a um blend final a ser vendido com uma marca própria. Bazas conversou comigo durante evento da importadora Vinci, que vende os vinhos da Champy, em maio.

Ser o négociant mais antigo da Borgonha é uma vantagem ou um fardo?

Historicamente, é uma vantagem. Mas, quando a família Meurgey adquiriu a maison em 1990, não foi somente a compra de um museu. Comprou um jeito de ser. Um espírito de elaboração de produtos agrícolas autênticos e, ao mesmo tempo, vetores da cultura e da tradição ancorada na história. Isso é um capital. Exploramos 17 hectares de vinha. Produzimos 500 mil garrafas de vinhos, um terço de Chardonnay e dois terços de Pinot Noir. Em todas as safras, produzimos vinhos de 40 a 45 Appellations d’Origine Contrôlée (AOC) diferentes. Somos 16 empregados na maison e, desde 2004, estamos na agricultura biológica. Nossa filosofia é fazer vinhos de terroir e equilibrados. Antes de ser um vinho da linha Champy, o Chambolle-Musigny dever ser diferente do Gevrey-Chambertin (duas AOCs de tintos).

Biológica, mas não biodinâmica?

Desde 2005, também fazemos algumas aplicações biodinâmicas. E, desde 2007, estamos sendo monitorados por um organismo chamado Qualité France (que faz a certificação da agricultura biológica). Duas vezes ao ano eles nos examinam. Na primeira, eles telefonam e nos visitam em seguida. Na segunda, a visita é sem aviso prévio. Se tudo der certo,  em 2010 poderemos dizer que fazemos agricultura biológica certificada. Não vamos botar no rótulo, mas sim no contra-rótulo.  Na Borgonha, há uma moda. Todo mundo se diz orgânico.  Mas nos vamos mostrar que somos mesmo. Há vizinhos na região que dizem ser, mas usam produtos químicos. Eles mentem. Por isso, queremos o certificado.

Por que a opção pela agricultura biológica?

A motivação da agricultura biológica é preservar o terroir. As vinhas se tornam cada vez melhores, mais fortes e imunizadas e, ao mesmo tempo, com menos química. Queremos uvas melhores para produzir vinhos melhores. Foi Miles Davis quem disse  que as melhores notas musicais são as que nós não tocamos. Não falo isso porque sou um enólogo preguiçoso. Quero ter boas uvas para fazer um vinho sem tanta intervenção como faziam nos anos 1990, quando havia vinhos de extração excessiva e muito carvalho. Tentamos fazer vinhos mais naturais. Por exemplo, nossa filosofia é usar sempre as leveduras naturais. Como posso dizer que faço vinhos de terroir se uso uma levedura australiana para produzir um Chambolle-Musigny?

Mas essa escolha não eleva o risco de a fermentação se tornar excessivamente lenta?

Sim, claro. Mas estou lá para cuidar disso. Se eu disser que faço vinho branco e tinto com leveduras naturais, e que tudo sempre se passa bem, estarei mentindo.  Às vezes a fermentação para e eu tenho de colocar mais levedura. Se não fizer isso, o vinho virará vinagre. Mas isso acontece uma em cada dez vezes.

Seus Borgonha são hoje mais fáceis de tomar quando jovens?

Não faço vinhos com concentração excessiva.  Como brincadeira, digo que não faço marmelada, que as pessoas podem colocar sobre uma torrada. Faço vinhos aromáticos com frescor, consistência, concentração, fruta fresca e mineralidade.  Vinhos que já são bons agora, mas que podem ser guardados como os vinhos da Borgonha.  Queremos sempre melhorar, mas trabalhamos sempre com preços constantes. Não estamos em Bordeaux, onde num ano o vinho custa 400 euros e, no outro,  50 euros. E queremos crescer lentamente. Não somos um pequeno produtor, mas também não temos uma produção industrial, como um (Louis) Jadot ou Boisset. Somos artesanais. Se me perguntam onde estão os barris na cave da Champy, não preciso de um computador para responder.  Está tudo na minha cabeça. Posso dizer que temos setes barricas de um Chambolle 2005, que tínhamos 40 barricas de um (branco) Pernand-Vergelesses 2004.

Quem é hoje em dia o consumidor de Borgonhas?

As grandes garrafas, os grands crus, que são 2% da produção da região, são sempre vinhos de milionários. Eles vão muito bem. Esse é o caso do (tinto) Clos Vougeot, do (branco) Corton Charlemagne. Nós os produzimos também.  Depois vêm os vinhos da gama média, como os (tintos) Savigny e os  Beaune.  Os mais básicos, os genéricos,  como o Bourgogne Chardonnay e o Bourgogne Pinot Noir, podem ser o vinho para todos os dias e para todos – desde que tenham um bom preço. Sabe por que digo isso?. Há uma década os australianos e neozelandeses fazem Pinot Noir e, aos poucos, eles foram aumentando o preço de seus vinhos e agora não podem mais competir nesse mercado. Posso dar alguns números.  Nos Estados Unidos, o preço para o consumidor final de um Borgonha genérico é US$ 16 ou US$ 17.  O Borgonha genérico vai retomar seu lugar. De cada duas garrafas da Borgonha, uma é de genérico. É preciso fazer bem esse vinho. A pátria do Chardonnay e da Pinot Noir é a Borgonha, não a Austrália e a Nova Zelândia.

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