O mangá do vinho
Série japonesa de quadrinhos japoneses é grande divulgadora da bebida na Ásia
Marcos Pivetta/www.jornaldovinho.com.br*
21/04/2010
Quando o famoso crítico de vinhos Yutaka Kanzaki morre inesperadamente, seu testamento guarda uma surpresa para seus dois potenciais herdeiros, Shimizu e seu irmão de criação Issey. Como último desejo, o crítico exige que sua fabulosa coleção de garrafas, avaliada em US$ 18 milhões, seja dada para o filho que primeiro desvendar um desafio: descobrir a identidade dos “doze apóstolos”, de doze vinhos míticos, e, finalmente, a de um rótulo ainda mais espetacular, conhecido apenas pela alcunha de Kami no Shizuku (As Gotas de Deus, na tradução em português). Nessa batalha enológica pelo espólio familiar, o filho legítimo Shimizu está em desvantagem em relação ao adotivo Issey. Na juventude, o primeiro renegou os tintos e brancos que o pai tanto venerava e foi trabalhar numa cervejaria. Já o segundo se tornou um dos melhores sommeliers do Japão, dono de um grande conhecimento sobre vinhos.
A história resumida acima representa a trama central de As Gotas de Deus. Trata-se de uma série de desenhos em quadrinhos, produzidos no estilo japonês conhecido como mangá, que foi lançada originalmente em 2004 e se tornou nos últimos anos uma das maiores forças disseminadores da cultura do vinho em boa parte da Ásia. Dizem que, no Oriente, a influência da série, cujo título remete diretamente ao 13° e último vinho procurado pelos irmãos-concorrentes, é maior até do que a do crítico norte-americano Robert Parker. O autor do mangá é Tadashi Agi, pseudônimo artístico dividido por Shin Kibayashi e sua irmã Yuko, autores do texto da trama (os desenhos estão a cargo de Shu Okimoto).
Como os personagens do mangá citam vinhos reais ao longo de toda a história, sempre que um rótulo ganha as páginas dos quadrinhos suas vendas disparam no Japão, na Coréia, China e Kong Kong, países asiáticos em que os números da série já foram publicados. Não faltam vinhos para os irmãos experimentar: têm uma adega de 3 mil rótulos. “Cada vinho que incluímos (na série) nos emocionou de alguma forma, e nenhum rótulo entra sem que o tenhamos degustado nós mesmos”, disse Yuko à revista inglesa Decanter numa reportagem publicada em 7 de dezembro do ano passado. “Mas não é apenas a qualidade que nos interessa. Estamos atrás de uma história, de algo que venha a nós pelo gosto, rótulo, nome ou história (de um vinho). A primeira coisa que decidimos é se um vinho é masculino ou feminino e, a partir disso, construímos imagens e o encaixamos na história mais ampla dos quadrinhos.”
Essa forma de encarar o vinho leva os personagens de As Gotas de Deus a utilizar metáforas e comparações inusitadas. Num dos números da história em quadrinhos, cuja saga só deve terminar daqui a três anos, alguém diz que o Château Mont-Pérat 2001, um potente tinto de Bordeaux, faz lembrar a voz do cantor Freddie Mercury, o finado líder da finada banda de rock Queen. O comentário etílico-musical fez um importador em Taiwan vender 50 caixas do vinho em dois dias. No início da série, os personagens citavam basicamente vinhos franceses, sobretudo Bordeaux e Borgonhas. Depois, o leque de referência se ampliou e passou a incluir rótulos de outros países da Europa e do Novo Mundo. Hoje até palpites sobre a conveniência de usar tampas roscas (screwcaps) fazem parte do cardápio enológico da trama.
Recentemente, o mangá, que em 2009 inspirou uma série na TV japonesa, começou a ser tornar conhecido e respeitado também no Ocidente. No ano passado, a revista Decanter colocou os irmãos Kibayashi, os criadores de As Gotas de Deus, pela primeira vez na lista das pessoas mais influentes no mundo do vinho. Ficaram no 50° lugar. No início de 2010, La Revue Du Vin de France, publicação gaulesa sobre vinhos, deu aos autores da serie em quadrinhos seu grande prêmio pelos bons serviços prestados à causa do vinho francês. Por falar na terra dos Bordeaux e dos Borgonhas, o mangá é traduzido para o francês desde 2008. Doze dos previstos 40 tomos de Les Gouttes de Dieu já foram comercializados pela editora Glénat.
*Esta matéria foi originalmente publicada na edição de abril de 2010 do Bon Vivant.
- Quatro vagas para bolsistas em enologia
- Catarinense com sotaque português
Cara Helena,
Eu não li (ainda) nenhum dos mangás. Mas a ideia sem dúvida foi interesante e os desenhos são bonitos. Quem sabe eu leio o primeiro número um dias desses.
Obrigado por escrever.
Abs
Marcos
Caro Marcos, li o 1o volume (em francês) e é realmente muito bom! Não dá pra parar de ler! Agora preciso comprar TODOS os outros volumes….
Caso você se interesse, também fiz um post sobre: http://gourmet.updateordie.com/livros/2009/09/manga-e-vinho/
Abraços Helena
=)