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Nova ordem nos espumantes do Vêneto

Italianos passam a chamar de Glera a uva Prosecco e reservam o termo Prosecco para o nome de uma vasta região produtora demarcada

Marcos Pivetta/www.jornaldovinho.com.br*

11/09/2009
Uva Prosecco/Glera
O nome da uva: Prosecco ou Glera? (Foto: Consorzio per la Tutela del Prosecco di Conegliano-Valdobbiadene)

Esqueça quase tudo o que você aprendeu sobre o Prosecco, o leve espumante elaborado na região do Vêneto, no norte da Itália. Até agora, todos os livros e cursos sobre vinhos italianos ensinavam que Prosecco era tanto o nome do espumante quando o da uva usada exclusiva ou majoritariamente em sua elaboração. Desde o dia 1° de agosto, Prosecco deixou de ser oficialmente o nome da cepa branca empregada no espumante. A variedade, diz a nova legislação peninsular que acaba de entrar em vigor, passou a se chamar Glera, nome com o qual a uva era conhecida (?) na vizinha região do Friuli-Venezia Giulia, perto da fronteira com a Eslovênia. As mudanças não param por aí. A região clássica, historicamente associada à produção do espumante, ao norte da cidade vêneta de Treviso, entre as colinas de Conegliano e Valdobbiadene, foi promovida da condição de DOC (Denominazione di Origine Controllata), em que estava há exatos 40 anos, para a de DOCG (Denominazione di Origine Controllata e Garantita). Ao menos na letra fria da lei, as áreas que são DOCG deveriam produzir vinhos de maior qualidade do que uma DOC, embora essa definição seja realmente mais teórica do que prática.

E tem mais: a vasta zona mais plana em que se produzia Prosecco dentro da categoria IGT (Indicazione Geografica Tipica), a que legalmente possui menos restrições e controles de qualidade, foi elevada à condição de DOC e estendida a ponto de incluir setores do Friuli distantes mais de 130 quilômetros da área vêneta historicamente associada ao Prosecco. O aumento da área produtiva veio, claro, corrigir uma omissão do passado: os italianos agora nos ensinam que a uva Prosecco (quer dizer, a Glera) é, na verdade, originária de uma localidade friulana, distante 10 quilômetros do centro da cidade de Trieste, chamada … Prosecco.

O novo cenário, bastante artificial, está criado e seu objetivo é claro: proibir o uso da palavra Prosecco nos rótulos de espumantes elaborados fora das zonas delimitadas de produção no Vêneto e no Friuli. Como era nome de uma uva, o termo Prosecco podia ser empregado por produtores de qualquer parte do mundo no rótulo de espumantes feitos com essa variedade. Agora, numa canetada, Prosecco deixou de ser legalmente uma cepa vinífera e ganhou a condição de DOCG e de DOC. Ou seja, Prosecco virou oficialmente a designação de uma denominação de origem, de uma região produtora demarcada, um conceito protegido pela legislação europeia. Grosso modo, a estratégia é a mesma utilizada no início do século passado pelos franceses para garantir o uso exclusivo do nome Champagne nos espumantes saídos da região de Reims e Épernay. A única diferença, nada desprezível, é que a palavra Champagne sempre foi usada no passado (e no presente) para evocar uma região enquanto o vocábulo Prosecco, consagrado como nome de uva, nunca foi empregado para evocar uma zona de produção. Detalhes da realidade que se dobraram facilmente aos interesses comerciais dos produtores de espumante do Vêneto.

zona
Zona de produção de Prosecco: expandida até setores do vizinho Friuli (Foto: Consorzio per la Tutela del Prosecco di Conegliano-Valdobbiadene)

“As novas regras serão válidas em todos os países, mas é claro que elas não terão efeito imediato. Porém, nos próximos anos é evidente que será considerado ilegal todo produto que usar o nome Prosecco e não puder comprovar sua qualidade e procedência geográfica”, diz Silvia Baratta, assessora de comunicação do Consorzio per la Tutela del Prosecco di Conegliano-Valdobbiadene, entidade dos produtores da zona histórica responsável por liderar as negociações que culminaram nas mudanças legais. “Sabemos que, no momento, há algumas vinícolas fora da Itália que produzem Prosecco, mas as novas regras foram estudadas para proteger esse nome como sendo o de um vinho italiano.” Além do Brasil, que produz espumantes com a uva Prosecco-Glera, a Áustria também elabora vinhos borbulhantes com a cepa.

Afora espantar a concorrência estrangeira, as mudanças legais visam valorizar o Prosecco no mercado internacional, onde, apesar do sucesso comercial, é visto com um espumante de qualidade relativamente modesta e barato. A produção anual de Prosecco é de cerca de 160 milhões de garrafas. Cerca de 60 milhões delas saem da antiga DOC (hoje DOCG) e 100 milhões das zonas que se enquadravam na categoria IGT (agora agrupadas dentro de uma grande DOC). A rigor, a nova legislação italiana criou duas zonas DOCG para o Prosecco: a DOCG Conegliano Valdobbiadene Prosecco Superiore, que engloba a área histórica com cerca de 5 mil hectares plantados de uva, e a DOCG Colli Asolani, ao sul da zona clássica, onde são elaboradas 2 milhões de garrafas de espumante por ano. Em todo o Friuli, dentro da nova zona DOC, há apenas 200 hectares cultivados de Prosecco-Glera. Para garantir o futuro da cepa ali, o ministro italiano da Agricultura Luca Zaia plantou um pé da uva no último dia 3 de agosto na localidade de Prosecco.

*Esta matéria foi originalmente publicada na edição de setembro de 2009 do Bon Vivant.

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