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Indicação desinteressada ou publicidade disfarçada?

Como saber se há conflitos de interesses na lista dos melhores vinhos do ano de seu crítico favorito

Marcos Pivetta/www.jornaldovinho.com.br

02/12/2010

Quando o Natal se aproxima, surgem no mundo todo, e no Brasil também, as famosas listas dos melhores vinhos degustados no ano. Alguns críticos nacionais se esmeram para produzir o seu rol de tintos e brancos favoritos. Dizem quantos países visitaram nos últimos meses. Publicam o número de garrafas provadas. Discorrem sobre seus critérios de seleção. Falam de quase tudo.

Apenas se esquecem de dizer (a memória é fraca e seletiva, eu sei) que uma parcela de seus “melhores vinhos do ano” é, coincidentemente, vendida por importadoras ou produtores aos quais eles prestam assessoria remunerada. No ano passado, contei na lista de um crítico nacional mais de duas dezenas de vinhos de um importador para o qual o jornalista(?) presta assessoria. Claro que não havia uma palavra sobre o fato de o crítico ser também o sujeito que escolhe ou ao menos chancela os vinhos para a importadora.

Não estou questionando a qualidade dos vinhos ou o direito de eles serem recomendados. Estou dizendo que, boa ou ruim, a indicação é fruto de um tipo de situação que ocorre em vários campos do jornalismo. E tem um nome claro: conflito de interesses. Não é crime, tampouco necessariamente sinal de desonestidade ou mau-caratismo. Mas é uma situação delicada, pelo menos a meu ver.

Não estaria o crítico, nesse caso, fazendo mais publicidade do que jornalismo? Se ele acha que não é incompatível ser jornalista e consultor (para mim, é incompatível, mas respeito opiniões contrárias desde que emitidas por gente séria), então por que ele não explicita isso em seus textos? O grande crítico inglês Hugh Johnson prestou consultorias e teve negócios com vinícolas, mas frequentemente ressaltava isso em seus ótimos textos. Se ele teve (e tem) esse cuidado, por que outros também não poderiam ter?

Acho que, nesses casos de conflito de interesses, há apenas uma regra que deveria ser seguida: a da transparência. Vamos respeitar a inteligência do leitor. Quem fizer isso, ganhará mais credibilidade.

Você acha que seu crítico favorito tem o rabo preso com alguém? Não me peçam nomes, por favor. Mas é fácil descobrir. No fundo é um segredo de polichinelo. Eis a receita. Faça uma pesquisa no Google. Escreva o nome do crítico e as palavras “consultor vinho”. Você terá boas surpresas entre os resultados. Fiz agora mesmo o teste e – bingo! – confirmei o status de crítico-consultor de dois profissionais do setor. Se não achar nada e ainda tiver dúvidas, mande um email para o crítico e simplesmente faça a pergunta. Assim mesmo, na lata. Se ele não responder ou ficar ofendido, talvez seja o caso de ficar mais desconfiado ainda.

Antes que alguém me pergunte: não tenho nenhuma ligação comercial com qualquer empresa de vinho. Vivo exclusivamente de jornalismo, quase todo ele feito para a revista de divulgação de ciência em que trabalho.

Em tempo: nem crítico de vinhos, eu sou. Sou um jornalista que, entre outras coisas, escreve também sobre vinho.

4 thoughts on “Indicação desinteressada ou publicidade disfarçada?

  1. Miguel A da R Machado

    Prezado Marcos Pivetta

    Parabéns!Excelentemente comentada a matéria e apresentada como deve ser.
    Compartilho, em tudo, com a matéria, pois penso exatamente assim.
    Também dou minhas ‘pitadas’ sôbre vinhos (Internet: Face e Tweeter), descompromissadas dos caprichos ‘publicitários’, porque sou muito interessado em vinhos e gosto expor minhas reais experiências..
    Aliás, só concordo com a opinião ou indicação ‘patrocinada’ se revelada no texto.
    Um grande abraço e que 2011 lhe traga tudo que for bom.

    Miguel Machado
    Face: Machado Miguel (BBG)
    Tweeter; migueldorio@

  2. Ahnis Fraga

    Excelente colocação!
    Penso que se tivessemos mais pessoas colocando “lentes” nos consumidores, estes seriam menos iludidos e conheceriam muito mais vinhos que existem além das listas despretenciosas – ou não!

    Parabéns!
    Ahnis

  3. Silvia

    GRANDE MARCOS!
    Ajoelho-me aos pés do mestre!
    Claro que você sabe que somente umas 5 ou 6 pessoas dão atenção à isso não?
    O sonho de todas as outras é ver (e comprar, e dizer que sentem os mesmos aromas) de um reality show de enófilos/jornalistas do vinho, com gente se pegando entre cheiros de curral de ovelhas negras e sabores de olivas da ilha de Chipre.
    Transparência já! Como nos bons espumantes!
    Sílvia

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