Franceses e italianos seqüenciam genoma da videira
DNA da Pinot Noir mostra que a uva tem mais genes ligados à formação de aromas e óleos que outras plantas
Marcos Pivetta/www.jornaldovinho.com.br
15/10/2007
No final de agosto, um consórcio de cientistas da França e da Itália divulgou o rascunho do trabalho de seqüenciamento do genoma da Vitis vinifera, a espécie de videira que produz as variedades de uva usadas na fabricação de vinho fino em todo o mundo. O trabalho encontrou 30 400 genes na planta (mais do que há no homem) e foi publicado na revista científica britânica Nature, uma das mais renomadas no meio acadêmico. A videira foi a primeira planta que produz frutos – e a quarta das que dão flores – a ter seu genoma seqüenciado. Os pesquisadores seqüenciaram o DNA de uma linhagem de vinhas derivadas da Pinot Noir, a caprichosa cepa tinta da Borgonha.
O seqüenciamento seria o primeiro passo para, em breve, se produzir vinho feito com uvas transgênicas? Nada disso, segundo o pesquisador Patrick Wincker, da Genoscope, o centro francês de seqüenciamento genético em Évry, nos arredores de Paris, que coordenou o estudo. “Não acredito que se faça isso”, diz Wincker, em entrevista exclusiva por email. “Esse não é o objetivo do nosso trabalho. O que queremos é sobretudo melhorar as características das variedades de uva por cruzamento dirigido (genética clássica).” Dessa forma, os cientistas esperam, por exemplo, introduzir genes capazes de reforçar as defesas das variedades de uva já existentes, ou de novas cepas, a uma série de doenças, o que poderia reduzir a necessidade de uso de pesticidas na lavoura. Ou ainda reforçar ou introduzir traços aromáticos em determinadas castas.
Os pesquisadores constataram que o genoma da videira, composto de cerca de 490 milhões de pares de bases (as “letras químicas” do DNA), apresenta bem mais genes e enzimas associadas à produção de aromas e óleos do que o DNA de outras plantas já seqüenciadas, como o arroz, o álamo (choupo) e a Arabidopsis thaliana, planta modelo da biologia. “Encontramos 43 genes que aceleram a síntese de estilbenos (entre os quais o resveratrol, composto químico presente no vinho, sobretudo no tinto, que parece ser benéfico ao coração)”, afirma o cientista francês. “E 89 genes que aceleram a síntese de terpenos (compostos associados a aromas florais). Outras plantas têm menos da metade desses genes.” Segundo Wincker, esses dados sugerem que talvez seja possível associar a diversidade de sabores e aromas do vinho a genes e elementos presentes no próprio genoma do vegetal.
Wincker explica que, em programas de seqüenciamento, é preferível trabalhar com a linhagem de um organismo que seja a mais autofecundada possível. Essa estratégia foi adotada em outros projetos de seqüenciamento, como nos estudos com os genomas do rato e da mosca-da-fruta. No caso da vinha, embora todas as cepas finas pertençam à mesma espécie (Vitis vinifera), cada cultivar exibe grande variabilidade do ponto de vista genético. “Em outros estudos, mostramos, por exemplo, que dois genes alelos (cópias do mesmo gene) do Cabernet Sauvignon diferem em cerca de 10% em sua seqüência genômica”, comenta o pesquisador. “Essa particularidade cria vários problemas para se reconstituir uma seqüência genômica de boa qualidade.” Por essa razão, os cientistas escolheram um clone de Pinot Noir que, de acordo com Wincker, é a única linhagem conhecida de videira praticamente homozigota, sem variabilidade. Essa linhagem possibilitou a criação de um genoma de referência, com todos os genes da videira e sua respectiva posição nos cromossomos, que servirá, daqui em diante, de base de comparação para a obtenção de seqüências genéticas de boa qualidade de outras variedades de uva.
Outra constatação interessante do estudo franco-italiano: o genoma da videira mudou pouco ao longo dos últimos 100 milhões de anos e se manteve semelhante ao DNA do ancestral de todas as dicotiledôneas, as plantas com dois cotilédones, folhas embrionárias que nutrem a planta jovem. “Mostramos, portanto, que esse ancestral sofreu uma triplicação de seu genoma. É possível que essa triplicação, jamais vista antes do nosso trabalho, tenha conferido uma grande vantagem às plantas dicotiledôneas e explique o seu sucesso ao longo da evolução”, diz Wincker.
*Esta matéria foi originalmente publicada na edição de setembro de 2007 do jornal Bon Vivant
- Os finalistas da Avaliação Nacional
- Riojas de outros tempos