De volta ao passado
Projetos tentam revigorar a indústria vitivinícola em São Paulo
Marcos Pivetta/www.jornaldovinho.com.br*
26/06/2007
Grande produtor de uvas de mesa para consumo in natura, o estado de São Paulo quer revitalizar uma atividade em que já foi pioneiro: a elaboração de vinhos. Nem todo mundo sabe, mas as primeiras mudas de uvas viníferas a ganhar o solo nacional foram plantadas na antiga capitania de São Vicente, no litoral paulista, em 1532. A empreitada não deu certo, e a cultura da vinha teve de subir a Serra do Mar. Passou pela capital paulista, em especial pelo atual bairro do Tatuapé, e, séculos depois, encontrou um local mais adequado para se desenvolver na região de São Roque e Jundiaí, a cerca de 60 quilômetros da cidade de São Paulo. Com a chegada da imigração italiana em fins do século XIX, a vocação vitivinícola nessa região começou a ganhar corpo nos anos 1910 e 1920. Apesar de as videiras viníferas terem cedido espaço para as uvas de mesa com o passar do anos, a região se manteve como um importante pólo produtor de vinho até as décadas de 1950 e 1960. A decadência veio com a concorrência crescente dos vinhos do Rio Grande Sul e a expansão da especulação imobiliária, sobretudo nos últimos trinta anos. São Roque e Jundiaí estão a meio do caminho entre duas importantes regiões metropolitanas – a imensa Grande São Paulo e a pujante Campinas – e os antigos parreirais acabaram sendo engolidos por sítios de fim de semana e outros empreendimentos.
Para tentar reverter essa situação, já estão em curso algumas iniciativas. São projetos, ainda em fase inicial ou sem resultado ainda conclusivos, que estão sendo tocados por pesquisadores de universidades e institutos de pesquisa em parceria com entidades empresariais, como os sindicatos locais da indústria da uva e do vinho, o Instituto Paulista de Vitivinicultura, o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Os esforços se dão, grosso modo, em duas frentes: revigorar as áreas em que hoje ainda persiste a cultura da uva (ainda que de mesa) e do vinho, caso do eixo São Roque-Jundiaí, e eventualmente encontrar novas zonas no estado que possam ser interessantes para a videira. “Precisamos resgatar a imagem do setor”, diz Cláudio José de Góes, diretor geral da Vinícola Góes, de São Roque, e presidente do Sindicato da Indústria do Vinho de São Roque (Sindusvinho), que apóia os esforços para revigorar a cadeia vitivinícola paulista. “Ter bons produtos e, assim, atrair de novo o turista de São Paulo.” Essa cidade paulista já teve 150 pequenas vinícolas há cerca de 50 anos. Hoje restam apenas 13 e, a maioria, como a Góes, se transformou em engarrafadora de vinhos comuns provenientes do Rio Grande do Sul.
Os primeiros esforços para melhorar o setor vitivinícola paulista visam obter dados confiáveis sobre as dimensões atuais desse segmento da economia. Esse é o objetivo inicial do projeto de políticas públicas para o setor que teve início neste ano e é coordenado por Adriana Renata Verdi, do Instituto de Economia Agrícola (IEA) de São Paulo. Com financiamento de cerca de R$ 50 mil da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), a iniciativa fará um cadastro vitivinícola em quatro cidades paulistas: São Roque, Jundiaí, São Miguel Arcanjo e Jarinú. “Queremos criar um ambiente de estímulo para o setor”, afirma Adriana. “A cada reunião do projeto mais pessoas e entidades se mostram interessadas no tema e isso nos anima muito.” Numa outra frente de trabalho, está em fase final um projeto da Embrapa Informática Agropecuária, de Campinas, que fez um zoneamento climático do estado a fim de identificar áreas com potencial para a produção de vinhos de qualidade. Dados preliminares desse trabalho, que conta com a colaboração de universidades paulistas, como a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e a UFSCar (Universidade Federal de São Carlos), sugerem que talvez haja zonas interessantes em São Paulo para a elaboração de espumantes e vinhos brancos.
Em vez de apenas esperar pelos resultados dos estudos de revitalização do setor, alguns empresários começam a investir na vitivinicultura paulista por conta própria. Desde 2001, Cláudio Góes, por exemplo, testa 30 variedades de uva européias (finas) e 8 de americanas em 2 hectares de vinhedos plantados em São Roque. No próximo ano, a Vinícola Góes espera lançar um vinho à base de Cabernet Sauvignon feito com uvas de seus próprios parreirais. Mas, antes disso, ele já tem novidades: acaba de colocar no mercado um tinto demi-sec feito com uvas Cabernet Sauvignon compradas de viticultores paulistas, o Góes Tempos. É um vinho modesto, com preço em torno dos R$ 10, mas já é um começo.
*Esta matéria foi originalmente publicada na edição de junho de 2007 do jornal Bon Vivant
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