Comprei gato por lebre
O Riesling húngaro que queria ser alemão, mas era itálico (ou croata)
Assim que abri a página do site de venda de vinhos Sonoma com a oferta do Bardóz Olasz Rizling 2011, me interessei pelo branco húngaro que estava à venda por R$ 39,90. Embora o texto “vendedor” de um dos sommeliers do site não afirmasse com todas as letras de que se tratava de um vinho feito com a uva alemã Riesling, cepa considerada por alguns críticos como a melhor variedade branca do mundo, as refêrências às (supostas) origens germânicas da uva eram abundantes no texto.
O escriba do Sonoma começa seu texto com a seguinte frase: “Viu que este vinho é um Riesling e logo pensou em Alemanha ou Chile?” A Alemanha, como disse, é a terra natal da Riesling e o Chile é um dos lugares da América do Sul em que essa uva vem ganhando terreno.
No meio do segundo parágrafo, nova referência à terra de Goethe, na explicação sobre as características do rótulo à venda: “Produzido no frio da Hungria, não tem tanto dulçor quanto os produzidos na Alemanha.” No quarto parágrafo, ela de novo, a referência ao prestígio da Riesling alemã: “De Riesling, preservou aquela estrutura mais encorpadinha, aquela complexidade e versatilidade que a tornou na (sic) uva preferida da maioria dos sommeliers. ”
Por fim. o site recomenda tomar o vinho com um joelho de porco, um prato da …
Preciso confessar que faltei nas aulas de húngaro e tive uma surpresa ao abrir o vinho em casa, dias mais tarde quando meu pedido chegou. O Bardóz Olasz Rizling 2011 tinha uma cor que se aproximava do amarelo dourado, baixa acidez e aromas que não lembravam a Riesling. Procurei justificativas. Pensei que um Riesling húngaro podia ser assim mesmo, ou que essa era a “proposta” do produtor para essa uva. Ou ainda que eu era realmente um péssimo degustador, apesar dos esforços contínuos em melhorar.
Resolvi pesquisar. Abri meu livro Wine Grapes, o mais completo guia de uvas da atualidade, e descobri que a Olasz Rizling ou Olaszrizling (há duas grafias possíveis) é, na verdade, a uva Graševina, provavelmente originária da Croácia ou da bacia do Danúbio. Na Itália e no Brasil, a Graševina é mais conhecida como Riesling Italico, embora os produtores brasileiros tendam a chamar apenas de Riesling os seus brancos feitos com essa uva (um hábito que estimula a confusão com a Riesling alemã, também chamada de Riesling Renano na Itália). Fôssemos versados no idioma magiar, eu e o sommelier do Sonoma teríamos logo de cara descoberto a confusão — por boa fé, vou me referir ao episódio como uma confusão do site Sonoma. Em húngaro, Olasz quer dizer italiano.
Vale repetir que a uva Riesling (Renano) tem enorme prestígio. Já a Riesling Italico, que não tem nenhum parentesco com a Riesling alemã, é uma cepa sem maiores predicados, o que não quer dizer que seja ruim. Acho que vou mandar um exemplar do Wine Grapes para o Sonoma.
O deslize ampelográfico não atrapalhou as vendas. O vinho se esgotou no site. Mas, em respeito ao consumidor, o equívoco deveria ser assumido pelo Sonoma. No mínimo, o texto deles induz ao erro.