JV

As filhas da Magdeleine Noire des Charentes

Uva tinta desconhecida recém-descoberta na França é a mãe da Merlot e da Malbec

Marcos Pivetta/www.jornaldovinho.com.br*

26/01/2009

Merlot: filha do cruzamento espontâneo do Cabernet Franc e da Magdeleine Noire des Charentes (Foto: David Carrero Fernández-Baillo/ Wikimedia Commons)

Magdeleine Noire des Charentes. Guardem o nome dessa uva tinta recém-batizada, que soa mais como a alcunha de uma heroína gaulesa. Pesquisadores franceses da Montpellier SupAgro dizem que essa desconhecida e quase extinta cepa, sobre a qual não havia qualquer referência na literatura científica, é a mãe de duas uvas tintas muito conhecidas: da popularíssima Merlot, uma das variedades mais importantes de Bordeaux e de tantas regiões vinícolas mundo afora (inclusive da Serra Gaúcha); e da Malbec, cepa também proveniente da França, onde é chamada de Cot, que mais recentemente se tornou a uva símbolo da Argentina.

Os cientistas descobriram que o DNA da Merlot, principal foco de seu trabalho, herdou da obscura Magdeleine Noires des Charentes 58 regiões genéticas, 55 em seu núcleo e 3 no cloroplasto, organela que é usina de energia das plantas. Desde o final da década de 1990, análises genéticas sugerem que a Merlot é fruto de um cruzamento espontâneo da tinta Cabernet Franc (que seria seu “pai”) e de uma uva não identificada, provavelmente desaparecida. Segundo a equipe da Montpellier SupAgro, que publicou em 22 de dezembro passado um estudo com os achados na edição online da revista científica Australian Journal of Grape and Wine Research, a Magdeleine Noire des Charentes é essa cepa misteriosa que forneceu parte do material genético da Merlot. Já a Malbec, sempre de acordo com o trabalho dos pesquisadores, é resultante do cruzamento da Magdeleine e da Prunelard, cepa tinta da região de Gaillac, no sul da França.

As primeiras videiras da Magdeleine foram encontradas em 1996 perto da cidade de Saint-Malo, na região da Bretanha, noroeste da Franca, onde a vinha era cultivada no fim da Idade Média. As plantas estavam num local abandonado que ocupava as encostas de um morro, onde hoje não há mais vinhedos. Posteriormente, mais exemplares da obscura variedade foram localizados em quatro áreas na região de Charentes, centro-oeste da França. Ali a uva, de madurez precoce, era chamada pelos produtores de Raisin de la Madeleine ou Madeleina. “Considerando tanto o nome usado pelos produtores e a literatura, nomeamos a uva de Magdeleine Noire des Charentes”, escreveu o pesquisador francês Jean-Michel Boursiquot, especialista no estudo das variedades de uvas, no artigo científico. A famosa cientista Carole Meredith, da Universidade da Califórnia em Davis, hoje oficialmente aposentada, também é uma das autoras do trabalho.

Os pesquisadores acreditam que a determinação da origem genética da Merlot, uva que dá vinhos frequentemente descritos como macios e redondos, explica suas principais características. Da Cabernet Franc, herdou a textura pouco agressiva de seus componentes fenólicos, sobretudo os taninos e as antocianinas. Da Magdeleine, recebeu como legado a madurez precoce e a produtividade.

Se o trabalho dos cientistas estiver correto, a Merlot exibe parentesco com uma série de uvas, algumas extramemente conhecidas. Já se sabia há tempos que ela é meia-irmã da Cabernet Sauvignon (fruto do cruzamento natural da Cabernet Franc e da Sauvingon Blanc). Agora os franceses determinaram que a Merlot também é meia-irmã, por parte de mãe, da Malbec e, por parte de pai, da Carmenère, uva de origem francesa hoje praticamente só encontrada no Chile. A Carmenère, que durante muito tempo foi confundida com a Merlot nos vinhedos desse país sul-americano, é resultado da cruza natural da Gros Cabernet (também chamada de Trousseau) e do Cabernet Franc.

“Esses resultados jogam luz sobre a origem da Merlot e das relações entre vários cultivares do sudoeste da França”, afirmou Boursiquot. “Nossa descoberta do papel genético central de um cultivar anteriormente desconhecido (Magdeleine Noire des Charentes) na origem de algumas variedades significativas reforça a importância de um grande trabalho de exploração, antes que seja muito tarde, para descobrir genótipos originais que ainda não foram coletados ou referenciados.”

*Esta matéria foi originalmente publicada na edição de janeiro de 2009 do jornal Bon Vivant

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *