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A nova enciclopédia da Jancis

A crítica inglesa fala da terceira edição edição do Oxford Companion to Wine, a ser lançada na quinta-feira

Marcos Pivetta/www.jornaldovinho.com.br*

19/09/2006

Nesta quinta-feira, 21 de setembro, começa a ser vendida na Inglaterra (e um mês depois nos Estados Unidos) a terceira edição do Oxford Companion to Wine, um catatau de 840 páginas com vocação, como seus predecessores, não para figurar como o livro de cabeceira dos enófilos, mas sim para ser a melhor fonte de consulta disponível no mercado sobre o amplo e sempre em ebulição universo dos tintos e brancos. Embora seja a rigor uma obra coletiva, que em sua elaboração contou com 167 colaboradores oficiais, além de inúmeros informais, o livro tem um autor principal: a crítica inglesa de vinhos Jancis Robinson, 56 anos, provavelmente a mulher que melhor escreve sobre a bebida na atualidade. Na capa da terceira edição desse tratado sobre vinho, o nome de Jancis, aliás, aparece no topo e em letras garrafais (na segunda edição, de 1999, figurava embaixo e num corpo menor), só perdendo em tamanho para a palavra Wine (vinho, em inglês). Chega a ser irônico lembrar que a mulher por trás dessa bíblia do vinho foi, no início de sua carreira, pejorativamente comparada a um tinto ligeiro e sem profundidade, a um Beaujolais.

Desde a primeira versão do livro em 1994, a jornalista britânica é o dínamo que dá forma e volume ao Oxford Companion to Wine. Como indica seu título, a obra é publicada pela casa editorial da prestigiosa universidade britânica, da qual Jancis saiu com um diploma de graduação em matemática e filosofia em 1971. Assumidamente viciada em trabalho, a escritora — que tem seu site próprio sobre vinhos, escreve para o jornal econômico inglês Financial Times, apresenta programas de TV, é autora de mais de 20 livros e (ufa!) produz artigos para publicações de vários países, entre os quais o Brasil, onde seus textos saem na revista de gastronomia Prazeres da Mesa — passou boa parte dos dois últimos anos costurando os textos dos colaboradores que recheiam o catatau. Desta vez, a crítica teve uma ajuda preciosa nessa penosa tarefa: contou com os préstimos de sua nova assistente, Julia Harding. A exemplo de Jancis, a auxiliar ostenta o invejado título de Master of Wine, honraria concedida aos alunos que conseguem passar num exame escrito e de degustação às cegas promovido por um instituto londrino mantido pelos comerciantes de vinho. “Julia é perfeita na edição”, derrama-se em elogios Jancis .

Como toda enciclopédia, o Oxford Companion to Wine, que poderá ser comprado no site britânico da livraria virtual Amazon por 24 libras, é escrito na forma de verbetes, de tópicos, em linguagem acessível para leigos, desde que, é claro, o leitor domine o inglês. Na nova e revisada versão, há cerca de 4 mil entradas, 400 delas novas, explicando pessoas, lugares e sobretudo temas econômicos, históricos, científicos, sociais ou culturais que, de alguma forma, fazem parte do mundo do vinho. Também constam da terceira edição 32 fotografias, 80 mapas, além de tabelas e outros elementos gráficos.

Mas para que serve um livro assim? Bem, para esclarecer e tirar dúvidas sobre quase tudo – por precaução, convém não usar o termo tudo — que diz respeito, ainda que marginalmente, ao tema vinho. Dúvidas atrozes ou nem tanto — como entender em detalhes a diferença entre fermentação alcoólica (que transforma o açúcar da uva em álcool e gás carbônico) e fermentação malolática (que transforma o agressivo ácido málico no mais dócil ácido lático). Ou confirmar se a uva branca portuguesa Esgana Cão é mesmo conhecida como Sercial na Ilha da Madeira (é sim). Ou ainda ler um breve texto sobre Robert Parker, o norte-americano que se tornou o mais influente crítico de vinhos do mundo (com quem Jancis volta e meia tem, britanicamente, algumas desavenças). Enfim, esta reportagem seria pequena para listar todas as utilidades do livro.

Na segunda edição da obra, o Brasil mereceu um verbete próprio de dois terços de página, no qual se fazia um resumo da história da viticultura no país e se falava rapidamente das principais zonas produtoras. Agora seu destaque no livro aumentou ligeiramente.“O tópico sobre o Brasil está, no geral, um pouco maior, com comentários atualizados sobre a região da Campanha (no sul do Rio Grande do Sul, perto da fronteira com o Uruguai) e mais dados sobre o Vale do São Francisco (no Nordeste)”, explica Julia Harding, que editou e reescreveu boa parte do novo Oxford Companion to Wine. “Mas tivemos que limitar o espaço ocupado pelo texto.” O crítico de gastronomia Josimar Melo, que escreve para a Folha de S. Paulo e dirige o site www.basilico.com.br, foi o encarregado de levantar dados mais frescos sobre a viticultura nacional para a equipe de Jancis. “Atualizei as informações do verbete sobre o Brasil, que estavam em grande parte defasadas e, em alguns casos, com erros mesmo, de grafia especialmente”, diz Josimar.

Para falar sobre as novidades da terceira edição de seu livro de maior peso, Jancis, que esteve no Brasil em novembro de 2003, deu em agosto uma rápida entrevista por email ao jornal Bon Vivant. Embora estivesse meio de férias e meio a trabalho na Austrália ao lado do marido, o crítico de gastronomia Nick Lander, a inglesa, sempre educada, não demorou a teclar suas respostas. Jancis, que parece ter simpatia pelos tintos do Nordeste, falou até sobre vinhos brasileiros. Abaixo segue a conversa eletrônica:

A segunda edição do Oxford Companion to Wine foi publicada em 1999. O que mudou no mundo do vinho nos últimos seis anos a ponto de justificar o lançamento de uma nova versão do livro?

Tanta coisa! É só pensar, por exemplo, que, há alguns anos, essa nova região produtora de vinhos no norte de seu país (o Vale do São Francisco) praticamente não existia. Também não havia a moda global de co-fermentar uvas, especialmente a Syrah e a Viognier, nem a viticultura de precisão (usar toda uma parafernália tecnológica, como imagens de satélite, GPS, vídeos digitais multispectrais, para melhorar o cultivo da uva), nem a imensa fusão das corporações do vinho que vimos recentemente etc etc.

A edição anterior estava então obsoleta?

Muitos verbetes estavam defasados. Esse não era o caso das entradas sobre história ou ciência. Mas até alguns verbetes sobre as variedades de uva estavam desatualizados em razão de novas descobertas feitas com análises de DNA.

Quais verbetes foram os mais difíceis de atualizar, revisar ou criar?

Talvez o mais difícil foi conseguir informações atuais sobre algumas das ex-repúblicas soviéticas, mas isso sempre foi um problema.

A nova edição do livro tem 840 páginas, cerca de 20 a mais que a versão anterior. Como você fez para adicionar 400 novos verbetes sem tornar o Oxford Companion to Wine ainda mais volumoso? Imagino que teve de eliminar ou editar ferozmente algumas entradas não muito importantes …

Houve uma certa quantidade de edição feroz (boa expressão!), você tem razão. É mais fácil somente adicionar (conteúdo) do que espremer os verbetes e assegurar que cada palavra mereça a sua inclusão. Tivemos infelizmente que abrir mão de todos os verbetes sobre brandy e encurtar outros sobre, por exemplo, antiguidades relacionadas ao vinho. É uma pena, mas a editora do livro foi inamovível na idéia de mantê-lo não muito grosso ou pesado.

É verdade que você mesma escreveu 40% do livro?

Escrevi cerca de 40% da primeira edição do livro e provavelmente a mesma proporção da segunda edição. Felizmente, desta vez, fui auxiliada na feitura do livro por minha nova assistente, Julia Harding, que recentemente se tornou Master of Wine. Ela é editora de livros e realmente é perfeita para o Oxford Companion to Wine. Ela se encarregou de atualizar com profundidade todos os verbetes científicos e copidescar (reescrever) todo o livro. Eu me encarreguei do resto, embora muitas das entradas tenham sido escritas por colaboradores.

Quanto tempo você dedicou especificamente ao livro?

Dois anos tendo o livro como prioridade principal ao lado do meu site www.jancisrobinson.com e meu jornalismo.

Como é um dia de trabalho típico em sua vida?

Sou uma workaholic. Geralmente, atualizo meu site entre 7h e 11h. O resto do dia é dedicado a minhas outras atividades jornalísticas, livros e degustações.

Quais são os melhores verbetes do livro em sua opinião?

É muito difícil responder. Estou orgulhosa de que, nesta nova edição, haja novos verbetes muito bons com relação à política, à filosofia e à economia do vinho. Há um muito bom, escrito para a segunda edição, sobre a linguagem do vinho, feito por um professor de lingüística de Oxford.

Depois que ter terminado o livro, você já se deu conta de ter esquecido de abordar algum tema ou ter minimizado a importância de um assunto?

Ainda não!

Como o Oxford Companion to Wine descreveria Jancis Robinson se você fosse um verbete do livro?

Temo não ter a objetividade necessária para escrever isso!

Mudando de assunto, qual a sua impressão dos vinhos brasileiros? Você acha que eles têm apelo comercial no exterior?

Acho que o novo estilo dos vinhos do Vale do São Francisco é mais bem direcionado aos consumidores internacionais do que a maioria dos vinhos do sul que provei.

Tem planos de visitar o Brasil novamente?

No momento não, mas tenho intenções sinceras.

*Esta matéria é uma versão ligeiramente modificada de uma reportagem publicada na edição de agosto de 2006 do jornal Bon Vivant

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