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Simpósio discute futuro do vinho paulista

Qualificar a produção de São Paulo é o desafio de pesquisadores e empresários

Marcos Pivetta/www.jornaldovinho.com.br*

17/01/2008

A julgar pelos comentários ouvidos durante o II Simpósio em Pesquisa e Desenvolvimento em Vitivinicultura do Estado de São Paulo, realizado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) em 21 e 22 de novembro passado, o vinho paulista pode ter futuro desde que os produtores estejam dispostos a percorrer o longo e árduo caminho da qualidade. Alguns dos convidados a dar palestras no evento estimaram em duas décadas o tempo necessário para que os tintos e brancos de São Paulo alcancem um bom patamar de qualidade. “Esperamos poder dizer isso no 20° simpósio”, afirmou Carlos Cabral, consultor de vinho dos supermercados Pão de Açúcar, que fez uma exposição bastante realista sobre o mercado nacional da bebida. “O Brasil é a bola da vez (em termos de consumo), mas o mercado é predador. Há milhares de rótulos hoje disponíveis no país.” Quem tiver qualidade e estiver sintonizado com os gostos atuais dos consumidores, terá seu espaço. Quem não tiver … “Todo produtor acha que seu vinho é o melhor do mundo e é natural que ele pense assim. Mas os tempos mudaram e é preciso ver o que mercado acha”, disse Cabral.

O reitor da Unicamp, José Tadeu Jorge, que falara antes de Cabral, logo na abertura do simpósio, também não negou as fragilidades e carências da vitivinicultura paulista. “Queremos ajudar a definir uma política pública para o setor e a tarefa da universidade é gerar conhecimento e formar recursos humanos de qualidade”, ponderou Jorge. “A universidade só se interessa por coisas difíceis. Talvez daqui a 20 anos tenhamos vencido esse desafio.” Único convidado internacional do evento, o engenheiro agrônomo Alvaro Peña, da Universidade do Chile, disse que a produção de vinhos no Estado de São Paulo pode se dinamizar em bem menos tempo do se pensa. “Acredito que em cinco ou sete anos, as coisas podem mudar muito em São Paulo”, afirmou Peña, que deu palestra sobre o atual estágio da vitivinicultura em seu país. Para justificar a afirmação otimista, o pesquisador, que chegou a visitar alguns viticultores paulistas com colegas da Unicamp, citou os rápidos avanços de um forte concorrente no mercado internacional de vinhos finos. “Há cinco anos, pensávamos, lá no Chile, que os vinhos argentinos estavam 30 anos atrás dos nossos. Mas nós estávamos errados.” Como se sabe, os chilenos são conhecidos por sua boa educação e polidez.

Por meio de uma série de iniciativas empresariais e acadêmicas, como a criação da Sociedade Paulista de Vitivinicultura (SPVinho) e a promoção de pesquisas em várias áreas envolvidas na vitivinicultura, o Estado de São Paulo, maior mercado consumidor de vinhos no país e grande produtor de uvas para consumo in natura, tenta revitalizar sua vitivinicultura, que foi a primeira a se estabelecer no país, ainda no século XVI, e há tempos está em crise. Desde os anos 1950 ou 1960, a produção de uvas para vinhos vem perdendo terreno e prestígio em solo paulista. O eixo São Roque-Jundiaí, onde estava boa parte das antigas vinícolas, se viu tomado pela especulação imobiliária e pela concorrência de produtos vindos de outras partes do país e até do exterior. O desinteresse pela atividade na região cresceu. São Paulo virou um grande engarrafador de vinho comum feito no Sul do país. Para tentar reverter esse quadro, está em andamento desde o ano passado um projeto de políticas públicas para o setor, coordenado por Adriana Renata Verdi, do Instituto de Economia Agrícola (IEA) de São Paulo, que junta pesquisadores e alguns empresários do setor. “Organizamos o simpósio no âmbito desse esforço para revitalizar o setor”, disse o professor Cláudio Messias, da Unicamp, coordenador do evento. “A produção de vinho em São Paulo tem que ser vista como um negócio, não como passatempo do vovô”, opinou Cláudio Góes, diretor da Vinícola Góes e presidente do Sindicato da Indústria de Vinho de São Roque (Sindusvinho), um dos empresários que apóiam as mudanças no setor.

Painel do vinho paulista – Uma das atividades promovidas pelo simpósio foi o I Painel do Vinho do Paulista, no qual foram degustados 25 rótulos elaborados por produtores do Estado, alguns de caráter totalmente artesanal. A maioria dos vinhos foi feita com uvas americanas (Bordô, Isabel e Niagara) ou híbridas, como a Lorena (variedade branca aromática, fruto do cruzamento da vinífera Malvasia Bianca com a híbrida Seyval, criada pela Embrapa Uva e Vinho de Bento Gonçalves em 2001) e a Máximo (cepa tinta, oriunda do cruzamento da vinífera Syrah com a híbrida Seibel 11342, desenvolvida pelo Instituto Agronômico de Campinas, o IAC, na década de 1940). Apenas três vinhos foram elaborados com uvas finas da espécie Vitis vinifera, a mais indicada para a produção de bebidas fermentadas: dois varietais de Cabernet Sauvignon e um Syrah.

Mesmo para os padrões modestíssimos do vinho de mesa nacional, não se pode dizer que a maior parte dos tintos, brancos e rosados provados esteja sequer num nível aceitável. Houve muitos produtos com defeitos nítidos e acidez excessiva. Mas não se pode negar também que uns poucos rótulos razoáveis também puderam ser encontrados, como um Cabernet Sauvignon de São Roque, da Vinícola Góes, e um Syrah, de um produtor de São Carlos. O vinho branco não-espumante feito de Lorena realmente lembrava os rótulos elaborados com a uva Moscato e também não fez feio. Dos doze vinhos oriundos da cepa Máximo, apenas um, originário de um produtor de Indaiatuba, agradou este repórter, que participou do painel. A Máximo é uma das candidatas a ser a cepa paulista por excelência. Mas, com um nome desses, se o vinho dessa uva não for bom, a piada já está pronta. Se quiser pegar o bonde da qualidade, São Paulo precisa andar rápido. Afinal, além do Rio Grande do Sul, outros estados e regiões do país, como Santa Catarina e o Vale do São Francisco, já embarcaram nesse trem. E tem mais gente querendo subir no vagão.

*Esta matéria foi originalmente publicada na edição de dezembro de 2007 do jornal Bon Vivant

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