Muito além dos altos impostos
Por que alguns vinhos estrangeiros mudam de preço quando trocam de importador
Marcos Pivetta/www.jornaldovinho.com.br
01/04/2007
O mundo do vinho é cheio de mistérios. No Brasil, um dos fenômenos mais assombrosos é o preço do nosso querido fermentado de uvas, um dos mais caros do mundo, como, aliás, muitas outras coisas por aqui, que são igualmente onerosas quando comparadas a preços internacionais. Se você já teve a chance de falar sobre o tema com algum importador (ou mesmo produtor nacional), ouviu com certeza a explicação oficial: “O governo é nosso sócio compulsório”, dizem eles. É verdade. Há tantos impostos, alguns absurdos, com alíquotas tão altas, que a carga tributária equivale a quase 50% do valor do vinho no mercado. Mas essa é apenas metade da história. Outros fatores, que nada têm a ver com os tributos, e que raramente são abordados pela mídia, inflacionam muitas vezes o preço de tintos e brancos.
Em sua coluna da última quinta-feira (29/03) no jornal Folha de S.Paulo, o colunista Jorge Carrara, conhecido crítico de vinhos, joga luz sobre outro ponto importante dessa questão: a política de preços dos importadores do produto. Segundo o texto de Carrara, a vinícola argentina Dominio del Plata, de Susana Balbo e Pedro Marchevsky, trocou de importador no Brasil porque achava que seus vinhos estavam muito caros por aqui. É um caso interessante. Normalmente é o consumidor que reclama da conta, não o próprio produtor do vinho. “Fornecia os vinhos a preço menor para o Brasil do que para os Estados Unidos e acabavam sendo vendidos mais caros que lá”, afirma Susana Balbo ao diário paulista. Na reportagem, o crítico diz que os vinhos de Susana, agora trazidos pela importadora Cantu, de Curitiba, estão hoje entre 10% a 15% mais baratos do que custavam quando esses mesmos produtos faziam parte do catálogo de outra empresa. Carrara não dá o nome da antiga importadora dos rótulos da Domínio del Plata em seu texto, mas todo mundo no meio sabe que se trata da Grand Cru, uma empresa de origem argentina que, há alguns anos, se instalou em São Paulo e hoje tem lojas em várias partes do Brasil.
O fenômeno inverso ao que ocorre agora com os vinhos de Susana Balbo, que ficaram mais conta, também não é raro de acontecer em nosso mercado: um rótulo que era barato quando estava nas mãos de um importador se encarece simplesmente porque a empresa que o traz ao Brasil agora é outra. E essa outra empresa cobra mais por esse mesmo vinho. Estou falando de rótulos básicos ou medianos de vinícolas internacionais, cujos preços na origem e nos mercados do exterior não sofrem muita variação ano após ano. Não estou falando de vinhos míticos ou de produção minúscula, mais sujeitos à especulação e a variações de preço devido a uma maior procura. Há poucos meses, por exemplo, constatei um caso assim, em que um vinho barato se tornou um pouco mais caro. Há alguns anos, os rótulos básicos da A Mano, um bom produtor da Puglia, no sul da Itália, que faz vinhos de uvas como Primitivo e Negroamaro, custavam entre R$ 20 a R$ 25 quando eram importados pela Nova Fazendinha, do Rio de Janeiro, Hoje, dentro do catálogo da Expand, a maior importador brasileira, estão a R$ 39. E tem mais um detalhe: o dólar atual, de pouco mais de R$ 2, é um dos mais baixos dos últimos anos …
Nada tenho contra a Grand Cru ou a Expand, onde já comprei vinhos e continuarei a comprar sempre que julgar razoáveis os preços cobrados. Como disse, nada pessoal. Poderia citar casos semelhantes aos acima mencionados envolvendo outras empresas. Nesta coluna, tudo o que eu queria dizer é o seguinte: a culpa dos altos preços de tintos e brancos no Brasil não pode ser creditada apenas aos impostos elevados. Essa história se tornou o bode espiatório do setor, uma justificativa para o vale-tudo em termos de preço. Não se pode esquecer que cada importador tem uma política individual de preços, que reflete seus diferentes custos operacionais com funcionários, capital de giro, catálogos lindamente impressos, marketing, manutenção de lojas (algumas tolamente metidas a chique). Cada empresa tem também sua margem de lucro. Algumas querem ganhar mais, outras se contentam com menos. É normal que seja assim. É assim em todos os setores da economia. Com o tempo, e com uma pesquisa de preços na Internet (assunto para uma próxima coluna), o consumidor, espero, saberá encontrar quem cobra o justo pelos seus vinhos.
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