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Um vinho burocrático

O enólogo da Vallontano critica a proposta de criação de um selo fiscal nos vinhos a pretexto combater o contrabando e a sonegação

Por Luís Henrique Zanini*

05/02/2009

Não sei se você que está lendo este texto, produtor de vinho, jornalista ou simpatizante, sabe que algumas medidas estão sendo pleiteadas junto ao governo federal para a adoção de mais um controle sobre os vinhos. Se a medida for adotada, sem uma ampla discussão, estaremos dando um grande passo para afastarmos o nosso consumidor e prejudicar a imagem do vinho brasileiro diante dos próprios brasileiros. Como produzir e vender vinhos num país, onde, em vez de andarmos para frente, corremos para trás? Mais uma vez gastaremos tempo e dinheiro com medidas, que, embora bem intencionadas, pouco contribuirão para sanar a problemática do setor vitivinícola. Em vez de nos preocuparmos com o baixo consumo do nosso produto, motivado pelo desconhecimento de sua qualidade e com a extorsiva carga tributária, nos socorremos mais uma vez no governo, pedindo que resolva (ou que crie) mais um problema: o Selo Fiscal. Não seria melhor nos unirmos para pedir ao governo que suspenda o IPI do vinho como fez para os automóveis? Isso seria prático e rápido.

A adoção do selo para o vinho diminuirá de fato a sonegação, o contrabando e a falsificação? São perguntas que devemos nos fazer antes de instituir mais esse elemento em nossas vidas de produtores. As pequenas vinícolas não podem mais pagar o preço por um mecanismo criado sem uma prévia avaliação dos impactos futuros nas pequenas organizações e em toda cadeia produtiva. Teremos mais um custo para nossos vinhos. Afinal, o selo será comprado, colado, catalogado, controlado, comunicado, etc… Além de rótulos, contra-rótulos, cápsulas, tags, selos de indicação geográfica, teremos que explicar para o consumidor mais o Selo Fiscal?

Mais uma vez estaremos afastando nosso apreciador, empurrando-o para o consumo fácil de uma cerveja. Vinho não é commodity, não pode levar na sua imagem o mesmo selo usado em cigarros e em destilados. O amante do vinho não pode tirar um lacre que insinue que o produto está no rol dos possíveis criminosos fiscais. Tantos são os esforços para o reconhecimento do vinho brasileiro e o que estamos tentando fazer? Contribuir para que o Brasil se torne o país do vinho mais burocrático do mundo? Quem vai sobreviver a isso?

Conversando com muitos produtores de vinhos, percebi que grande parte não aceita a idéia desse selo, pelos motivos supracitados. Deve existir uma maneira menos agressiva de resolver nossos problemas. Quando tudo estiver pronto e decidido, não adiantará reclamar. Temos que lutar dentro do nosso setor e divergir quando necessário. O que sinto é que a cada dia o vinho brasileiro vai perdendo espaço para ele mesmo, vai perdendo a sua essência, transitando mais no papel do que na boca dos brasileiros. Uma pena.

*Luís Henrique Zanini é enólogo e sócio da vinícola Vallontano, no Vale dos Vinhedos, Bento Gonçalves

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