Clássicos modernizados
Vinhos gregos de três produtores de fama internacional começam a ser vendidos no Brasil
Marcos Pivetta/www.jornaldovinho.com.br*
25/03/2007
Berço da civilização ocidental, terra mítica de Dioniso, o deus do vinho e das festas, a Grécia produz fermentados de uva há 4 mil anos. Por meio de suas colônias, os cidadãos da antiga Grécia, que viam a bebida como um importante elemento da cultura clássica, introduziram a vinha em várias partes do Mediterrâneo, como na Sicília e no sul da Itália e da França, e até no Mar Negro. Não faltam testemunhos da presença marcante do vinho grego no mundo clássico, seja na forma de escritos, como a poesia de Homero, ou de artefatos de um passado glorioso, como as ânforas para transportar e servir a bebida. Mas, como se sabe, ao longo de sua rica história, a Grécia foi perdendo importância. Acabou subjugada pelos romanos e, mais tarde, acomodada dentro do Império Bizantino. Para o vinho local, as trevas vieram no fim do século XV, quando Atenas caiu sob o jugo do Império Turco Otomano, que desestimulava a produção e o consumo de bebidas alcoólicas. O período negro se estendeu por cerca de quatrocentos anos, até o fim da dominação turca, no início do século XIX. Mas ainda demoraria algum tempo para o cultivo da vinha voltar a florescer. Somente no século XX, sobretudo após a Segunda Guerra Mundial, quando os conflitos naquela explosiva região realmente cessaram, os gregos puderam se dedicar a reinventar seus tintos e brancos. Nascia o moderno vinho grego, cujos contornos atuais vêm sendo desenhados nas últimas décadas.
São justamente esses vinhos, com o perfil da moderna Grécia, feitos em sua maioria com uvas locais de nome quase impronunciável, como Agiorghitiko ou Assyrtiko, que agora desembarcam pela primeira vez no Brasil. A importadora Mistral, de São Paulo, acaba de receber sua remessa inicial de vinhos gregos, provenientes de três produtores de fama internacional, que passa a representar com exclusividade: Gerovassiliou, da região da Macedônia, norte do país; e Antonopoulos, do Peloponeso, no sul da Grécia; e Gaia, com sede no Peloponeso, mas com uma segunda vinícola na bela ilha de Santorini. Para dar uma noção mais ampla das principais especialidades da produção grega atual, a Mistral optou por escolher produtores que fossem de distintas regiões do país mediterrâneo ou fizessem vinhos de estilos diferentes ou ainda com as mais diversas cepas locais ou internacionais. O produtor Gaia, por exemplo, é um craque dos tintos feitos com Agiorghitiko em Neméia, no Peloponeso, além de elaborar brancos com a cepa Assyrtiko na vulcânica e turística Santorini. Já Gerovassiliou e Antonopoulos produzem brancos e tintos tanto com variedades autóctones como com uvas francesas. No total, mais de 25 diferentes rótulos compõem a leva inicial de fermentados gregos trazidos pela importadora. Há um pouco de tudo entre os produtos selecionados: brancos (a maioria), tintos, vinhos de sobremesa, um rosé e até um retsina renovado, uma versão mais atual do tradicional vinho branco grego ao qual se adiciona resina de pinho.“Os vinhos gregos não são uma curiosidade, um exotismo”, diz Otavio Lilla, diretor de marketing da importadora. “Eles têm muita qualidade e estão no nível dos melhores vinhos do mundo.”
Mas não são nenhuma pechincha. Os rótulos mais em conta custam cerca de US$ 30, como o tinto Nótios TO Pelopónnisos 2005, feito de Agiorghitiko, e o branco Nótios TO Pelopónnisos 2005, blend das cepas locais Moschofilero e Roditis, ambos pertencentes à linha do produtor Gaia. Os mais caros chegam a US$ 85, caso do tinto Avaton 2003, uma mistura das variedades gregas Limnió, Asproúdes e Mavrotraganó elaborada pelo vinícola Gerovassiliou. Isso sem falar na garrafa magnum, de 1,5 litro, do Nea Dris EO 2001, um blend de Carbernet Sauvignon e Cabernet Franc, do produtor Antonopoulos. “Os vinhos gregos são caros, mas os melhores exemplares apresentam uma boa relação de preço/qualidade”, argumenta Lilla. “Há tintos excepcionais, do nível dos supertoscanos, mas que custam bem menos do que esses vinhos italianos.” Deixando de lado o chamado custo Brasil (altos impostos e toda aquela história já bem conhecida), a justificativa para os altos preços dos vinhos gregos, segundo o diretor da Mistral, é basicamente uma: eles produzem pouco vinho, quase sempre em pequena escala, não raro em zonas montanhosas. O rendimento médio de um vinhedo grego é metade do de um situado na Itália ou França. A Grécia produz anualmente entre 400 e 500 milhões de litros de vinho, dos quais 60% são brancos. O total representa menos de um décimo do mar de vinho elaborado pelos franceses ou pelos italianos.
Não há um consenso entre os especialistas internacionais se os brancos ou os tintos são os melhores vinhos da Grécia, embora pareça existir uma leve preferência pelos primeiros. A despeito de ser um país mediterrâneo, de clima quente, a Grécia produz vinhos, dizem os críticos, que parecem saídos de zonas temperadas. A influência de brisas do mar e a opção pela viticultura de altitude servem de contrapeso ao calor do Mediterrâneo. Nos últimos anos, o vinho grego ganhou reconhecimento fora de seus país. Além dos prêmios no exterior, um indicador de seu prestígio é que a revista inglesa Decanter, uma das mais renomadas no mundo do vinho, conta com um colunista especializado nos tintos e brancos da região, o grego Nico Manessis, autor do livro The Illustrated Greek Wine Book. A Grécia possui várias denominações de origem regendo sua produção de vinhos. Mas, antes de se aventurar pela geografia desse mítico país, talvez seja mais útil aprender um pouco sobre suas cepas autóctones, seu maior patrimônio vitivinícola.
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*Esta matéria foi originalmente publicada na edição de março de 2007 do jornal Bon Vivant
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