Quem dá menos por um champanhe
Crise econômica e concorrência comercial fazem preço da bebida cair a menos de 10 euros em algumas promoções na França e Inglaterra
Marcos Pivetta/www.jornaldovinho.com.br*
04/12/2009
A região de Champagne, a cerca de uma hora e meia de carro de Paris, já foi palco de incontáveis batalhas militares, desde os tempos de Átila, o rei dos Hunos, no século V d.C até a Segunda Guerra Mundial, quando (mais uma vez) foi ocupada pelos alemães. Agora, vivendo ainda o rescaldo da crise econômica mundial, que provocou uma queda pelo segundo ano consecutivo nas vendas globais de champanhe, os produtores do mais famoso e valorizado espumante do mundo tomam parte num conflito de natureza bem mais amena: uma guerra de palavras e de marketing para tentar evitar que o preço da garrafa desse borbulhante vinho despenque a menos de 10 euros (cerca de R$ 26 no câmbio praticado no fim novembro) nos supermercados da França e também da Inglaterra, respectivamente os dois maiores mercados consumidores da bebida. No curto prazo, para alegria dos consumidores e desespero de boa parte das grandes marcas de champanhe, a batalha parece perdida. Este será o fim de ano do champanhe a preço popular, ou quase isso, para alguns lares do Velho Mundo.
Algumas ofertas arrasadoras já se materializaram e outras estão por vir em meio às costumeiras promoções natalinas. Um site francês, o Cdiscount.com, que vende de tudo e é controlado pelo grupo Casino, está oferecendo dois champanhes brut não safrados a 9,99 euros, o Comte de Dunois e o Alexandre Merlin. Uma terceira marca, François de Rozay, está a 10,90 euros. É verdade que esses nomes não são lá muito conhecidos, mas o site também traz ofertas atraentes no que diz respeito a rótulos mais renomados, como o Taittinger Brut Reserve (26,73 euros), o Veuve Clicquot Brut (29,99) e o Moët et Chandon Brut Impérial (29,99). Se o fenômeno dos superdescontos se restringisse à internet e à França, que bebe cerca de 55% da produção anual de cerca de 300 milhões de garrafas de champanhe, os produtores até que poderiam não ficar tão zangados. Mas as barganhas não se resumem às lojas virtuais.
Ainda na França, algumas unidades dos supermercados Auchan já venderam uma pequena quantidade de champanhe por inacreditáveis 7 euros e o gigante Carrefour já disse, em alto e bom som, que colocará a qualquer momento em suas prateleiras algum champanhe a menos de 10 euros. Do outro lado do Canal da Mancha, a situação é parecida. Na última semana de novembro, vários supermercados ingleses deram a largada na corrida dos descontos. A rede Tesco, por exemplo, vendeu um lote do champanhe Andre Carpentier Brut por 8 libras, algo como 8,90 euros e promote comercializar mais 300 mil garrafas de alguma marca da bebida a 10 libras (11,1 euros) até o fim do ano. E essas não são as únicas promoções arrasadoras. Os supermercados Morrinsons resolveram cortar pela metade o preço de alguns rótulos muito conhecidos, entre os quais o Bollinger Special Cuvée Brut NV, que caiu de 35,99 libras para 17,95 libras (menos de 20 euros). Uma barganha em se tratando de Bollinger, o champanhe do James Bond no cinema, que, além de bom marketing, tem muita qualidade. Os valores promocionais do Morrinsons duram até 6 de dezembro ou até o fim dos estoques e cada cliente só pode comprar três garrafas de alguns rótulos em liquidação.
A noção de que o champanhe possa se tornar uma bebida excessivamente barata e popular irrita os donos das grandes marcas, que consideram um preço de apenas um digito em euro por 750 mililitros de seu vinho borbulhante um valor irrisório e depreciativo, capaz mesmo de macular a imagem de produto de alta classe costumeiramente associada à bebida. “Somos artesãos e não é interessante para mim falar sobre o mercado ou preços”, disse ao jornal norte-americano The New York Times de 13 de novembro Pierre-Emmanuel Taittinger, presidente da Taittinger, uma prestigiada casa produtora da bebida, dando voz ao discurso típico de boa parte do setor. “Não estamos vendendo perfume ou sabão ou carros. Meu trabalho é encontrar um milhão de amigos ao longo do globo que bebam cinco garrafas de champanhe por ano.” A Tattinger busca um milhão de amigos com esse perfil porque elabora todo ano cerca de 5 milhões de garrafas de espumante.
Os produtores reclamam dos preços baixos para o consumidor final, mas são as promoções que mantêm os seus imensos estoques sob controle e garantem vendas globais num volume invejável. Em 2008, quando houve o estouro da crise econômica e parecia que o mundo iria à bancarrota, foram comercializadas 322,4 milhões de garrafas de champanhe – apenas 5% a menos do que em 2007, ano que em que mais se vendeu a bebida na história …
*Esta matéria foi originalmente publicada na edição de dezembro de 2009 do Bon Vivant.
- Descobertas efervescentes
- Desejos tardios para 2010